Benzadeus chegou dezembro que coisa o ano voou?
Embora a frase acima sugira, eu não vou fazer desta edição uma retrospectiva de 2023. O ano passou de acordo com nossa impressão de tempo, só.
Vamos começar?
Faz algumas semanas que cheguei a uma conclusão, dita em terapia (se você não falar em voz alta na terapia, essa conclusão não existiu): eu nunca mais quero trabalhar com publicidade. Acabou, finito, kaputt.
É óbvio para muitos que trabalhar com publicidade faz mais mal que fumar vape, e, embora eu tivesse essa noção desde o começo dos anos 2000, faltou aí uma coragem de deixar esse mercado de vez ao primeiro sinal físico de saúde em risco — talvez as gastrites que seguiam as noites viradas logo no primeiro estágio em agência.
Foram muitas despedidas de carreira que resultaram em uma volta, rapidinha, porque o dinheiro falava mais alto. Em todas, acabou em choro e depressão. Se isso não é uma boa justificativa pra mandar a propaganda à merda, aí eu já não sei qual é o meu limite.
Pra falar a verdade, meu incômodo é ainda maior: eu não quero mais ter emprego. Óbvio, ninguém quer. Pela minha experiência, que nunca tive problemas em me manter trabalhando, ando notando na última década a necessidade de uma performance da empregabilidade. Não basta ter um currículo legal e alguns trabalhos na manga pra ser contratado, tem que escrever parábolas. Tem que viver a experiência do consumidor em TODA. SANTA. INTERAÇÃO. COTIDIANA e fazer um texto a respeito. Tem que se vestir de Luciano Huck e se dizer um ETERNO CURIOSO beliscando o queixo, quando na verdade o que se quer é ficar mirando o teto por mais meia hora antes de sair da cama. Tem que ficar atualizando o currículo como um pedinte querendo ser notado pelo cidadão enquanto roda seu cobertor desequilibradamente no semáforo. Eu mal tive saco de fazer portfólio! Portfólio de quê, de peça fantasma? De B2B?
E, sim, falo aqui do alto da Montanha do Privilégio, porém, ainda assim, trabalhar é uma necessidade. Já tentei esse negócio usar a minha formação pra garantir um bom pagamento no fim do mês e acabei empregando 20% dele em tratamento de saúde mental.
Se eu puder escolher, prefiro pegar o que eu puder fazer com qualidade, seja reformar um móvel ou montar um banquete, do que ficar me martirizando diariamente, tentando provar que, noves fora (noves sendo colegas de trabalho/cliente/cansaço/capitalismo) eu sou sim uma boa profissional, eu JURO. Eu quero ocupação e não algo que vá minar minha autoconfiança, paz e respeito aos limites — e isso a publicidade sempre me fez.
No mais, certos estavam os Golden Boys:
Faltando um tiquinho de tempo pro ano acabar, depois de seguir por meses as recomendações da minha amiga podcaster extraordinaire Flora Paul (ela trabalha com isso, ok, não apresenta um), acabei nesta belezinha. A história é sobre um grupo de mulheres dos Estados Unidos que se relacionaram com um mesmo cara no passado e passaram a desconfiar do desaparecimento da ex-mulher dele. Elas se juntam, checam informações e, bom, ouve lá.
É, eu sei, todo mundo já quis se juntar a um grupo de exes pra puxar a capivara da pessoa, mas duvido que no caso de algum de vocês isso envolvesse homicídio (se envolveu, por favor me conte!)
Fiz minha última consulta na psiquiatra outro dia e talvez eu faça sim uma retrospectiva do meu ano.
GELA.
Considerei, é verdade, mas vamos resumir em: meus níveis de dopamina estão bons a ponto de sentir conforto ao ver o desenho de uma bolsinha porta-moedas na Caça ao Tesouro do Two Dots.
Pra finalizar com alto astral, hoje eu quero contar a história do Edmilson Carlos, o namorado que minha tia arrumou pra minha mãe.
Primeiro, uma breve explicação: minha família materna é excelente em criar narrativas detalhadas sobre qualquer coisa. Nossos cachorros todos têm nome, apelido e traço de personalidade. O Maminha, por exemplo, deus o tenha, o apelido dele era Serginho e a personalidade era de cunhado cocainômano. Na casa da minha tia já teve uma série de cachorros de raça com apelidos maravilhosos: The Oscar Goes To, Rubão (fêmea), Lila Sumaré, Pirukinha, Paulito, Caralhinho etc.. Isto posto, é comum ver mamãe e titia discutindo se o velho que passou capengando de andador na rua é ou não é o Porcino, um que ficou louco quando minha mãe terminou com ele. Porcino, obviamente, não existe nem nunca existiu.
Foi assim que surgiu o Edmilson Carlos. Meus pais tinham acabado de se separar e minha tia estava hospedando minha mãe em sua casa. Na tentativa de amenizar o clima, e tendo como base o namoro da Madonna com Jesus Luz, que era notícia na época, ela começou a criar um futuro namorado pra irmã.
O Edmilson Carlos era um tatuiano de 24 anos, desempregado crônico, porém dono de uma boa lábia — ou pelo menos era o suficiente para deixar mamãe caidinha. Ao conhecê-la, a vida dele mudou: apaixonada, passou a dar uma gorda mesada pra ele se vestir na butique Picida, tirou uma moto no nome dele, o fez virar sneakerhead (parecia um boneco Fido Dido usando shortão e tenão com suas canelas finas) e trouxe a mãe dele pra morar no melhor apartamento da praça da Matriz de Tatuí. Minha mãe foi capaz de deixar as filhas passando necessidade para se dedicar ao bofe. Fez a família inteira aceitar o moleque sob a justificativa de que o amor não vê idade. Pobre genitora, que não conseguia emergir de uma gargalhada sem cair em outra, enquanto minha tia ia criando situações do namoro.
Um dia, Edmilson Carlos desapareceu. Mamãe soube que ele foi pego sem os documentos da moto e acabaram descobrindo que ele devia aí umas cinco pensões diferentes, então foi preso. Foi o fim do amor à toda prova. Ao final da história, minha tia exclamou:
— Ai, parece que agora eu até sinto saudades dele?!
Feliz ano novo e obrigada por acompanhar esta — às vezes confusa, às vezes extremamente pessoal — newsletter. 2024 vai ser nosso!