O convite chegou no grupo de WhatsApp na semana passada: festa julina para amigos e familiares da Fernanda, com quitutes tradicionais, quadrilha, fogueira e jogo de vôlei (é tradição entre os parentes). Ao final do texto, um aviso pedia para irmos vestidos a caráter.
Ignorei a última parte e me concentrei em encomendar os doces que levaria.
Um dia antes da festa, o lembrete:
Memórias de guerra começaram a pipocar na minha cabeça, do longínquo ano de 1997… *transição cósmica*
Estávamos, minhas amigas de infância e eu, reunidas na casa da Amanda para comemorar seu aniversário. Por ser em junho, o tema era São João e eu tinha passado a manhã fazendo e provando uma receita de pé de moleque, que ficou deliciosa. A certa altura, alguém sugeriu que a gente fosse mais tarde na festa junina do clube, todas a caráter.
Claro que me animei. Já contei aqui que sou ativista pela fantasia bem pensada e bem produzida. Cheguei em casa e fiz a devassa nos armários dos meus pais:
Camisa xadrez
Saia longa dos anos 1980
Bota de cano alto
Lencinho no pescoço
Tranças
Pintinhas de lápis preto no rosto
Devia ter notado um sinal na recusa do meu namorado da época em se fantasiar. Não insisti porque afinal ele tinha a personalidade de um vaso de cactos.
Ao chegar na festa, caminhando para entrada do clube, uma amiga me aguardava trajando camisa de veludo molhado, saia longa (a da moda) e tranças nos cabelos. Assim que ela me viu, desfez as tranças e imediatamente se transformou em uma cidadã normal para a época, me deixando a única pessoa da festa vestida de caipira — além das drag queens que ficavam na porta, uma tradição na minha cidade. As outras amigas? Absolutamente nenhuma cumpriu o prometido, aquelas vacas.
Nada no meu visual me possibilitava sair do personagem, assim, fácil. A camisa era do meu pai, a saia da minha mãe não se usava mais, as botas eram uma coisa meio Xuxa. Não rolava me adaptar de imediato, ou eu voltava pra casa pra me trocar — gerando assim uma série de perguntas dos meus pais e talvez a sugestão de não voltar mais pra festa — ou engolia em seco e pagava de palhaça pelo resto do evento. Escolhi ficar com a última, afinal, eu já tinha namorado mesmo. Foi bem isso que me consolou: elas precisavam estar lindas para o olhar masculino, eu já tava na fase do moletom.
Passei o resto da festa ocupada entre dar malhos no sofá do clube e administrar a gastrite atacada pelo excesso de pé-de-moleque.
Abaixo, a prova do ridículo:
Portanto, para a festa da Fernanda, decidi me vestir igual minha amiga-Judas: blusa preta, calça preta, bota de oncinha, casaco camelo. Trancinhas e pintinhas, sim, mas fáceis de desfazer caso eu fosse a única otária caipira do pedaço.
Por sorte, a turma da Fernanda abraça o combinado e se empenhou na fantasia. Achei meu lugar seguro, ano que vem vou até de vestido!
agora entendi porque você parecia a caipira mais rycah do arraiá!
aguardo o vestido do ano que vem :)