É o que dá ser boazinha. Não boazinha de alma pura, que não vê maldade em lugar nenhum, que acredita que o mundo é lindo. Boazinha porque ninguém te deixou extravasar seus demônios particulares. Boazinha por contenção. Do meu lado ruim eu já falei bastante, mas e do mesquinho? Esse tava guardado, disfarçado, com uma cadeira em cima pra ninguém tropeçar. Vai que machuca?
Até que esse lado começou a botar as garras de fora, e a sensação foi deliciosa. Como é BOM me apegar a detalhes minúsculos e empenhar toda a minha energia em fazer da vida alheia um breve incômodo.
Vamos aos exemplos desta semana?
Merdinha
Baixinho é foda. Baixinho do tipo bolsonarista, com a cara intensamente desarmonizada ao longo dos anos e um orgulho coagulante em dizer que seu empreendimento comercial “não é para qualquer um” é meia-foda. Ele não mora no meu prédio, mas a sogra dele mora. Um dia, por gentileza, foi cedida a vaga para o filho dela deixar o carro, e quando se viu tava o trisal completo estacionando seus veículos por lá. Sim, eles formam um trisal, a placa de um dos carros é CUK e eu acho tudo isso muito divertido. Enfim, o meia-foda tinha o péssimo hábito de entrar na garagem com o carro, deixar o portão aberto, estacionar, subir pra dar um alô pra sogra, aproveitar pra fazer um xixizinho, brincar com o lulu da pomerânia Xuxu, e então, finalmente, deixar o prédio e baixar o portão.
Aí o prédio pediu pra ele parar de estacionar lá, né, questão de segurança. O que ele fez? Mandou um áudio para a pessoa responsável, que no caso é a mesma que me pariu, dizendo que, na verdade, quem tinha o costume de deixar o portão aberto era esta que vos escreve. Sim, ele foi falar mal de mim pra minha mãe, como se ela não conhecesse a PENTELHA que tem por filha. Baixinho e ainda me nasce burro? Mas, ok, não voltou mais na garagem.
Até que um dia voltou, não sei o que deu na cabeça dele que voltou e voltou com tudo. Só que ele não contava que, a essa altura do campeonato, minha mesquinhez estivesse em seu ÓTIMO, TININDO, graças aos progressos mentais que 2025 vem me proporcionando. Eu tava com gosto de sangue na boca.
Então quando ele entra pela garagem e deixa o portão aberto, eu vou lá e fecho. Como? Meu trabalho dá exatamente de frente para o prédio. Nem preciso me alterar muito, pego o controle na bolsa e aperto de trás do balcão mesmo. Não sei dizer se ele se irrita com isso, mas o fato de eu estar dando um trabalho que já de início ele não queria ter tido é muito gratificante.
Quer truco, tampinha? Desce seis.
Desmarca agora, quero ver
Eu poderia começar a contar essa história dizendo que a minha condição neurodivergente (lá ela) faz com que eu lide muito mal com mudanças de planos em cima da hora. Eu simplesmente me perco. Porém, acho que nesse caso qualquer cristão já teria perdido a paciência.
De repente, a faxineira passou a oferecer uma proporção de 2 dias trabalhados para 1 desmarcado a minutos de aparecer, isso tudo no intervalo de 15 dias em que ela costuma vir. Eu não podia mais fazer planos de ter a casa limpa, porque tudo podia mudar de repente. Lá pela quinta ida desmarcada sem sombra de justificativa, achei que tava demais.
Semana passada, escrevi pra marcar uma data. Ela insistiu que queria trabalhar no feriado, beleza, vamos lá, posso até dar uma mão (vide texto anterior). 6h45 da manhã chega a mensagem: “Bia, hoje não vai dar, segunda vou sem falta”. Ah, é? Pois me aguarde.
Na segunda, sem falta, esperei aproximar a hora em que ela me avisa que está a caminho para enviar no zap: “bom dia, fulana, não precisa vir”. Sem nem esboço de explicação. É que não é mais pra vir mesmo.
P.S.: Nesse caso minha mesquinhez se virou contra mim, já que agora quem tá tendo de fazer a faxina sou eu.
Perceba-se
O cara entrou na loja oferecendo serviço de gráfica rápida, eu precisava fazer um adesivo pra porta de blindex já que 45% dos clientes tavam dando com a cara nela, então comecei a negociar ali mesmo.
Parênteses: embora eu tenha sido redatora boa parte da vida, tenho aí alguns anos de experiência com o mercado gráfico, o que me faz não ser uma completa ignorante em termos de design. Se minha visão estética é boa, aí já é outra coisa (ela é ótima).
Então eu medi as portas, fiz o layout, coloquei a marca de corte, tudo do jeito que o rapaz havia especificado. Mas não. Ele queria me ensinar exatamente o que eu tinha acabado de fazer. Me mandava o arquivo falando “ah, não tá no tamanho que eu falei”, eu respondia com o print do tamanho na tela do Canva, ele treplicava mudando de assunto. Até que, em uma das devolutivas, ele começou a me explicar algo pífio usando “perceba” no início da frase. Perceba o quê, que você tá gastando o meu precioso tempo com um vai e vem desnecessário?
Enviar o print, pra mim, já era o ápice da mesquinhez, mas depois desse “perceba” eu vi que poderia ir mais longe. Vi que ele queria fechar negócio o quanto antes, mandar para imprimir no mesmo dia, então não respondi mais. Deixei ele enviar alguns áudios perguntando se a arte estava aprovada, até sentir uma nota de desespero em sua voz.
No dia seguinte, enrolei a bandeira, enfiei na bunda e aprovei a arte. Mas não sem antes fazer ele suar cerca de duas gotas, o que me muito me aprouve.
Meu nome é Bia Bonduki, e eu sou escritora. Quer dizer, eu sou meio pau pra toda obra, mas em 2022 eu lancei meu primeiro livro, Até contentar o coração, e usei desta newsletter para fazer as atualizações do processo, junto com outras incursões que fazia no passado – delivery de pratos árabes, meus textos no Medium e o podcast Eu Tive Um Sonho. Agora, por aqui, falo da vida em geral, das coisas que tomam espaço na minha cabeça e me mantêm acordada por mais tempo, além de fazer recomendações de coisas que li/ouvi/assisti/conheci.
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