Esta edição fala inteiramente de sexo
É mais um aviso pros meus familiares que me leem, pode vir sem medo.
Todo dia eu navego a internet e seleciono o artigo que vou enviar para o Kindle (apelidado “Lindle”) e ler tão logo repouse a cabeça em um dos meus três travesseiros. O de ontem, do The Cut, era um relato contado em livro sobre o ano em que a escritora Melissa Febos ficou em celibato.
Primeiro, pensei, “nossa, tá na moda falar disso, né?”, enquanto mordia a tampa de uma caneta imaginária e olhava para o nada, numa espécie de Sabrina Carpenter reflexiva. Seja no âmbito da tendência boboca do heteropessimismo — sobre a qual a Marie Declercq fala brilhantemente aqui — ou porque uma Kardashian tá abordando o assunto em uma nova temporada de seu reality show, ou mesmo para efeitos de fofoca/identificação, os próprios links acima comprovam o hype.
Minha segunda reação foi botar as mãos nos quadris, como sempre faço quando me indigno com uma situação, e pensar em voz alta “tá, mas eu já fiz isso muito antes de ser modinha”. Sinto revelar, caro leitor, mas este é o momento em que desfilo em sua direção, trajando um longo vestido de fenda vertiginosa, e paro à sua frente para exibir uma faixa que diz “Miss Vanguarda”.
Esse negócio de ter sol em Aquário me faz insuportável e eu tenho total ciência disso, desculpa.
Há um ano e pouco, falei aqui na newsletter da minha decisão de me afastar temporariamente do amor em geral. Começou após a minha mudança para o interior, seguiu por alguns anos da pandemia e envolveu uma série de conveniências que tornaram o processo menos doloroso. Estas:
Estava me mudando para uma cidade onde o conservadorismo prevalece e os homens da minha idade envelheceram muito mal. Ok, quem eu queria pegar, mesmo, eu peguei entre 1997 e 1999; hoje ninguém me atrai — especialmente com essa mentalidade. Mulheres? O lesbianismo e a bissexualidade chegaram aqui junto com a inauguração do Burger King.
Longe de São Paulo, pude observar a real importância de estar transando e reportando. Falo mais disso, adiante.
A pandemia chegou quando já fazia uns seis meses que eu estava de resguardo emocional e físico, então foi uma ótima justificativa para dar para *gestual em direção à plateia* o meu grande público.
É importante frisar que, naquela época, amor e sexo estavam andando juntos para mim, e eu queria fazer alguns ajustes na forma como via ambos, ou mesmo na forma como comunicava essas coisas para o outro. Contei assim na outra edição:
Depois de uma série de desilusões em diferentes intensidades, achei que deveria me retirar dessa seara. Amor, pessoalmente, era uma via sem saída: se eu me doasse, como acho comum fazer — em uma medida humana — corria o risco de trombar com parceiros que fariam picadinho da minha dedicação. Do contrário, não me agrada me relacionar na superfície, como um chinelo velho pra pé cansado, e isso se aplica até nas relações com amigos e familiares que amo.
Pessoalmente, não foi tão difícil. Claro, rolou uma lista de piores momentos, tipo a decisão de parar de tomar pílula durante o processo e redescobrir o delicioso horror que é a fase da ovulação. Porém, foi também aí que comprei um vibrador novo, então estava razoavelmente satisfeita.
Inauguro aqui um novo nível de superexposição da minha vida privada e deu uma batedeirinha, não vou negar. Mas vamo que vamo.
O que foi mais difícil, na verdade, é um negócio que eu enxergo até como geracional — falo de millenials e millenials-velhos. No meu meio social, de amigas mulheres que fiz principalmente em São Paulo, da faculdade em diante, era comum dar a entender o tempo todo que se estava positiva e operante. Digo isso porque já vivi esse tipo de cobrança velada em variados grupos: se você não está transando, o que está fazendo além de peso nesta terra? Lembro de, certa vez, sentada numa mesa do Riviera, ouvir uma fulana exclamar que estava havia duas semanas sem transar, e que por isso se sentia feia e malquista. Hoje penso num negócio desses e fico “te acalma!”, mas na época era isso aí, tem que transar, tem que contar o quanto e quando e como e com quem e onde transa, se você não está transando you’re last.
É possível que eu tenha desenvolvido toda essa teoria somente dentro da minha cabeça e ela não passe de uma grande bobagem? Sempre é. Por isso, adoraria ouvir de vocês nos comentários.
Acho que, no fim, o que eu queria com esse movimento todo era provar para mim mesma que minha vida sexual, numa performance externa, não me definia. Que eu não precisava da validação do redor para ser vista como merecedora de caminhar entre os winners. Que andava dando pra muito mané, só pela narrativa, e em seguida tendo vontade de lavar a Lady com Clorox. Que sexo é bom, sim, mas tem horas que a gente prefere não fazer.
Houve um momento em que percebi a falta danada que o contato andava me fazendo, e é uma pena o Twitter ter morrido, porque foi um hit quando postei a respeito: tinha ido fazer uma sessão de acupuntura e, quando o profissional afastou uma mecha do meu cabelo e prendeu atrás da minha orelha, eu fiquei nossa…
Mas, tá, aí veio a vontade de transar de novo, e a oportunidade em questão me permitiu comunicar o que eu queria, o que eu não queria, o que era inegociável, o que eu via como uma prática ativa e não passiva. Porque, olha só: uma das coisas que pude perceber durante o período de abstinência era que eu meio que merecia o apelido de passivona, dado por uma ex-namorada do tempo dos Sumérios. Eu fazia sexo, mas muitas vezes como figurante e não como a estrela principal. Essa foi uma das algumas compreensões que esse tempo me permitiu ter.
Não vou tecer em meandros um relatório de como foi transar de novo, ok? Tem limite.
*acena atrevidamente para o parceiro do tal evento* Oiii!
Se eu faria de novo? Deus me defenda! Foi um evento com dia e hora (meses, anos) pra acabar, e cumpriu seu propósito. No amor e no sexo, a ausência de relacionamentos mostrou com mais clareza o que eu queria enxergar e me tirou de uma atuação mecânica, foi isso. Se recomendo pros outros? Não sou nem maluca de “recomendar” uma coisa dessas.
E, sinto novamente, mas não vou terminar esta edição com uma história de redenção, embora uma coisa legal venha se desenhando no presente. Isso não é fábula pra terminar com lição de moral. Tá mais pra um artigo do tipo “Fiquei Sem Transar Por Um Bom Tempo; Saiba Como Foi”.
Heheh amiga, no final a gente tem que ir atrás de qualidade, né? Não quantidade. Eu sempre fui de ficar meses e meses sem transar até a vontade voltar (ou alguém decente aparecer) sem sentir falta. A gente evita muita experiência ruim.
Lendo esta edição com a cara daquele cachorro no meme "safada transou pelada com o cara".