De cabeça
Não é possível que uma mulher de memória tão bem polida sofra para se lembrar do nome Gilberto!
Olá, como vão? Começou meu mês favorito do ano, abril, e a brisa fresquinha que vem junto com ele. Aqui no interior ainda faz calor durante o dia, mas sou uma pessoa melhor quando posso lançar mão de um edredom bem pesado na hora de dormir, e o outono já me permite isso. À newsletter:
Estava sentada no jardim externo de um shopping center esperando meu jantar quando tive uma ideia para a newsletter. Havia acabado de sair de uma sessão de cinema e pensava, sem a menor relação com o filme, nos dates que tive com homens indianos — talvez porque eu estivesse perto do restaurante onde fui almoçar com um deles, o Lakshmi. Lakshmi é a deusa da fertilidade que aquela minha falecida cunhada escritora cultuava. Eu tive essa ideia e pensei “ah, não preciso anotar, vou lembrar mais tarde se pensar no que estava fazendo naquela hora”.
Pensei, e esqueci.
Meu amigo Jorge diz que eu sou o HD externo dele, porque me lembro de tudo. Se eu te contar que me recordo de quando conheci minha primeira amiga do maternal, aos dois anos, você pode achar que é cascata, e eu te dou razão, mas é verdade (perguntei como a mãe dela se chamava, ela respondeu “Iorma” e eu fiquei sem entender um nome tão incomum). Eu lembro de trocadilhos que pessoas fizeram junto com uma situação, de explicações em metáforas dadas por um professor de história na 6a. série, da impressão estranha que a cor cinza mescla me trazia quando eu jogava um jogo de memória com personagens de Hanna Barbera na infância, da textura do jornal velho que minha tia usava para embalar a carne que daria para os cachorros ao final do jantar, do cheiro do desinfetante usado para lavar o banheiro do acampamento que fui aos 8 anos. No entanto, não me recordo da ideia.
Lembro demais de coisas que preferia esquecer, passo dias com músicas tristes na memória porque parece que meu cérebro gosta de me torturar. Quando deito a cabeça no travesseiro e penso que tudo está bem, alguma lembrança desnecessária vem me visitar, seja a vez que jogaram meu tênis em cima do ônibus escolar no 1o. colegial ou do jeito concentrado com que aquele rapaz me ajudava a tirar o sabão do meu rosto durante o banho. Lembro demais de amores perdidos, raramente das coisas que fizeram esse amor acabar — devia me atentar mais a isso. Lembro de dores e injustiças e também de momentos vitoriosos que jamais compartilhei. A porcaria do assunto para esta newsletter, esqueci.
Depois da COVID-19, tive que me ajudar a lembrar: listas, agendas, aplicativos; acho o máximo a tatuagem que o Alexandre Herchcovitch tem nas costas da mão: uma espécie de template de lista para anotar o que não pode esquecer. Fiz uma tatuagem para me lembrar de permanecer viva, “prorsum (giddy up)”, no braço direito, durante uma crise depressiva. Outro dia tive uma dificuldade enorme de lembrar do nome “Gilberto”.
Era sábado quando tive uma vontade avassaladora e bissexta de almoçar yakisoba, e fui ao meu restaurante favorito da cidade. Embora seja muito bem tratada por lá e a comida, deliciosa, eles pecam num detalhe: o guardanapo vagabundo. Estava lutando para tirar o molho da camisa com aquelas folhas que se desmancham quando lembrei: era disso que queria falar! De guardanapo de papel e de como ele diminui minha avaliação pessoal de estabelecimentos gastronômicos. Afinal, eu esperava meu jantar em um estabelecimento cujo guardanapo era péssimo, fazia todo sentido!
Vitória para mim, decepção para quem chegou até aqui achando que era algo mais, er, grandioso.
Não sei se já cheguei a falar de leituras por aqui, afinal, embora eu me considere uma escritora, sou bem ruim de manter o hábito de ler. No entanto, graças à última edição da TerraTreva, newsletter do amigo e escritor Oscar Nestarez, fiquei curiosa em relação à Mariana Enriquez e escolhi começar por “Os perigos de fumar na cama” — que estou adorando! Fazia tempo que um livro não me deixava com vontade de voltar a ele toda noite, para mais um conto tenebroso muito diferente do que estava acostumada. Houve um dia em que misturei uma história do livro com um episódio do podcast Radio Rental e, se ainda fosse possível, teria pedido para dormir com meus pais.
Por ora, é isso. Se você ainda assim quiser me ler falando de guardanapos (eu tenho muito a reclamar!), deixe seu pedido nos comentários. No mais, lembre-se de:
Até!
Disclaimer que pretendo deixar eternamente ao final das edições, pra quem chega aqui pela primeira vez:
Meu nome é Bia Bonduki, e eu sou escritora. Quer dizer, eu sou meio pau pra toda obra, mas em 2022 eu lancei meu primeiro livro, Até contentar o coração, e usei desta newsletter para fazer as atualizações do processo, junto com outras incursões que fazia no passado – delivery de pratos árabes, meus textos no Medium e o podcast Eu Tive Um Sonho. Agora, por aqui, falo da vida em geral, das coisas que tomam espaço na minha cabeça e me mantêm acordada por mais tempo, além de fazer recomendações de coisas que li/ouvi/assisti/conheci.
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Nossa eu também detesto guardanapos vagabundos! Por favor discorra mais sobre
Bia eu costumo brincar que minha memória tem prazo de validade e geralmente ela de somente um dia, de tanto que ela é ruim. Quando me encontro com minhas amigas do ensino médio e começamos relembrar algumas coisas, eu ainda fico chocada como se fosse a primeira vez quando elas me recordam de determinadas situações que pasmem, eu vivi e não me lembro. Depois do COVID a situação aqui também ficou pior e tenho esse péssimo hábito de pensar em algo e achar que vou me lembrar depois e é óbvio que nunca lembro kkkkkkk