A Cher do meu Sonny
Quando ver a Mariah Carey comendo churrasco não é o ápice da sua noite.
Olá, leitores! Mais um mês em que sinto uma vontade imensa de escrever novamente assim que lanço a edição anterior, e venho aqui ficar dando satisfação dos meus desejos. É isso, escrevi.
Família tá boa, todos bem? Ótimo! Vamos lá.
Acho que todo mundo já viveu um dia cujo relato pode ser pontuado com “aí piora” ou “calma, não acabou”, aquele dia que você fez uma coisa que virou outra que virou outra e chegou no ápice e depois mais duas ou três coisas acontecem. Este foi o meu:
Em 2006, eu estava morando em uma estação de esqui no Colorado, e o nome não vou revelar porque vocês vão me achar patricinha. Fui pra fazer aqueles programas de trabalho que enchem a cidade de brasileiro, imundiçando nossa reputação de um povo heróico de brado retumbrante por conta de meia-dúzia de meliantes. Meus empregos (dois) eram servindo bagel num café e atendendo como balconista em uma loja de cosméticos naturais (aquela que cheira o andar todo do shopping, você sabe).
Uma noite, estávamos eu e a Andrea, uma californiana muito alto-astral a quem em pouco tempo passei a chamar de “marido”, fechando a loja e encerrando o dia. Fechar a loja era um processo meio mala, enquanto uma passava o esfregão no chão, outra precisava fazer o cálculo das transações e deixar exatos USD$ 200 em dinheiro no caixa para o dia seguinte. Decidimos que aquela tarefa era chata demais para se fazer sóbrias e pegamos umas Coors Lights da pentelha da nossa chefe no frigobar da loja.
Tudo ia a contento quando notamos uma horda de paparazzi do outro lado da rua. Pois é, a cidade onde eu morava era destino de ricos e famosos, e a temporada de inverno enchia o local de celebridades. Nesse dia, pensamos que pudesse ser a Paris Hilton, já que a mãe dela tinha estado na loja uns dias antes. Nos aproximamos da janela para ver o alvo dos flashes e *luz divina* *coral de anjos* era a Mariah Carey chegando no bar e karaokê Zezinho’s Costela de Ripa (esqueci o nome do lugar, hoje chama Silverpeak). Olhei pra Andrea, que olhou pra mim já jogando a longneck na lixeira e falando “vambora”. Fechamos a loja e partimos.
Chegando lá, Mariah já se encontrava sentada numa mesa cheia de seguranças devorando uma boa costelinha a bordo de uma jaqueta de nylon acinturada. Ela não se aproximou do karaokê, àquela hora já apinhado de gente querendo mostrar pra musa que sabe cantar — vai que. Como minha mãe não me criou pra ser tonta, tratei de arrumar um espaço no balcão e pedi eu mesma minhas costelinhas acompanhadas de uma deliciosa cerveja red ale chamada Fat Tire.
Tava lá, curtindo, rindo com minha marido, recebendo shots de Jägermeister gratuitos do barman, que era o dono do bar, quando um senhor já de certa idade se aproximou de mim e perguntou o que deveria cantar no karaokê. Eu estava simpática e na minha fase Johnny Cash, então sugeri que cantasse “Ring of Fire”. Ele foi e cantou “Always on My Mind”. Blz. Aí ele voltou e, a essa altura, eu já tava alcoolicamente só nos trinados da Mariah, então ele nos convidou para cantar Bohemian Rhapsody e nós (e o bar inteiro) cantamos. Aí ele decidiu que ia ficar na minha cola, quem mandou ser simpática?
O velho cheirava a barro e falta de banho, e começou a mandar um papo de que era muito conhecido no meio. Com 25 anos, se eu fosse um pouquinho mais tonta, teria acreditado. Por sorte eu não era, e decidi só escutar.
— Sabe, eu já lancei muitos artistas ao estrelato, e gostei da sua voz.
— Sei. — Eu também sei que não estou nem perto de ser uma cantora decente.
— Acho que se você se preparar melhor, pode ficar famosa cantando. Mas você parece não querer soltar sua voz, fica envergonhada. Não pode, cara. Tem que sentir na sua alma que você é uma grande cantora, só ainda não sabe disso.
Minutos mais tarde, quando achei que aquele papo já estava gastando minha beleza, ele soltou:
— I can get you started. We can be Sonny & Cher if you admit you're a singer.
HA. Olhei pra Andrea, que se fosse versada em The Office àquela época teria olhado pra câmera. Agradeci todos os elogios, pois tenho educação, e lancei um olhar torto pro barman, que enxotou o velho dali. Ele ainda tentou mais interações, meio ressentido que eu não estava comprando aquele papo de estrelato, mas eu parei de dar bola praquilo que era claramente uma imensa perda de tempo.
No dia seguinte, estava me sentindo fancy e decidi almoçar num Mc Donald’s. Para quem não sabe, nessa cidade extremamente sofisticada, a única rede de restaurantes mais, er, popular é o McD, afinal os trabalhadores braçais precisam de uma opção além da marmita — e por trabalhadores braçais eu falo de mim e as centenas de brasileiros que habitavam aquelas paragens, e também do senhor empresário do entretenimento, uma vez que, ao encontrá-lo no restaurante, ele se revelou ser um empreiteiro da construção civil. Pois é, tivemos ainda um rendez vous não-planejado no salão da lanchonete, ele trajando um macacão característico.
E esta foi a vez que eu vi a Mariah Carey comendo churrasco, mas o que pegou mesmo foi um velho maluco querendo me convencer de que eu era a próxima Cher, bastava confiar.
Meu nome é Bia Bonduki, e eu sou escritora. Quer dizer, eu sou meio pau pra toda obra, mas em 2022 eu lancei meu primeiro livro, Até contentar o coração, e usei desta newsletter para fazer as atualizações do processo, junto com outras incursões que fazia no passado – delivery de pratos árabes, meus textos no Medium e o podcast Eu Tive Um Sonho. Agora, por aqui, falo da vida em geral, das coisas que tomam espaço na minha cabeça e me mantêm acordada por mais tempo, além de fazer recomendações de coisas que li/ouvi/assisti/conheci.
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Eu ri a cada linha. Especialmente porque sou fã da Cher e imaginei a cena com o fake Sonny. Muito bom! 👏🏼👏🏼